Filha da mãe

abril 26, 2013

(escrito faz um tempo – anos, talvez)

Foi quando a mãe morreu de coração partido. As artérias bloquearam como a margina Pinheirosl na hora do rush (o médico não explicou dessa forma) após anos comendo bacon na manteiga, pastel de carne seca, pamonha com doce de leite caseiro, porque a mãe dela morreu aos noventa e dois magra, saudável e feliz. Mas com ela foi diferente. Tinha sessenta e dois anos e dobro disso em quilos quando novecentos e dezesseis milimítros de sangue entupido arrebentaram com seu miocárdio. Caiu dura no meio da aula de pilates.

Estava pondo a água para ferver na hora exata em que tudo aconteceu, a mãe espatifando-se no chão, as amigas de bermudinha lycra tentando acudir, a professora gritando por socorro. Deu a primeira garfada quando Caio, o irmão, telefonou para avisar. Arrastou para o lado um prato de macarrão com ketchup, o copo de Guaraná diet, amparou a cabeça nas duas palmas da mão, cotovelos na mesa, posição de Chico Xavier Recebendo Santo Ou Com Uma Enxaqueca Daquelas, Não Tem Como Saber, e tentou chorar sozinha com a luz da sala de jantar apagada. Não conseguiu. Ligou para Ernesto.

Não sabia usar vírgula em frase com dois sujeitos e na vida real algo parecido ocorreu dos dezenove aos vinte e quatro, até achar Ernesto. Ele tinha vinte e seis anos, dois a mais, e não gostava de camisinha (nem ela). Ainda não geraram filhos, mas tinham a experiência de anos sendo isso para alguém, e agora ela era uma ex-filha da mãe.

Queria pensar em algo triste e chorar pela mãe morta, como aquelas atrizes que desabam em cena visualizando o Chihuahua delas mortinho da silva. Mãe morta, mãe morta, morta morta dentro de um vestido de madeira, morta morta morta mas nada saía. Quando tragédias aconteciam, não conseguia evitar de imaginar coisas terríveis que não podiam ser imaginadas jamais, como o padre Jaime batendo punheta em cima da sua avó, outra falecida, tadinha, essa se foi em 1996 (o verão do É o Tchan).

Padre Jaime era bonzinho, sua avó era espírita e, que ela saiba, os dois jamais se encontraram, a não ser na sua cabeça, onde até a Macarena já dançaram (pelados). Não fazia por mal, mas era inevitável pensar em coisas assim, monstruosidades assim, um trenzinho de imagens mentais sórdidas cortando seu córtex cerebral, seu hipotálamo, seu plexo nervoso  ao som de “La Cucaracha”. Talvez porque quando criança cismou com os espíritos em que sua avó tanto acreditava –desconfiava que eles podiam ler seus pensamentos. Quanto pior se sentia por imaginar tudo aquilo, pior eram as imagens (infanticídio, sexo com parentes, sapatos bicolores), como alguém pedindo “pense em tudo menos nisso” estava automaticamente condenando o outro a pensar em nada diferente daquilo.

Ernesto gostava da sua mente doentia (do pouco que ela compartilhava, sempre depois do vinho). Dizia isso ao terminarem o sexo bêbado, dava beijinho na sua nuca e falava assim, “você é louca, menina”, desconfiava que ali tinha coisa e ficava duro. Ela, no entanto, nunca enlouqueceu de verdade na cama, embora uma vez, depois de duas taças de tinto, tenha sorrido para ele enquanto cantava

eu quero cuuuuu

eu quero jáááááá

eu quero cu já cu cu cu já cu já cu cu cu já

Fez mais por brincadeira, mas Ernesto levou a sério, e aí teve de tocar a fantasia para frente e a bunda para trás, logo ela que nunca deu as costas para a vida. Mas tudo bem, agora Inês é morta, como aquele ditado que sua mãe adorava dizer e que ela nunca entendeu direito. Quem era Inês? Por que importava tanto que ela tivesse morrido?

Encontrou com Caio no enterro espírita (que antecedeu o católico, havia necessidade de fazer ambos para agradar toda a família). Dei três ois e o mesmo número de foda-ses mentais quando um preto velho baixou na irmã mais velha de sua mãe e a puxou para um canto.

“Mizifia fazia gostador da mãe de terra?”

“Claro, pai.”

“Saravá, saravá.”

“Saravá, pai.”

“Mãe de terra fazia muito gostador de você. Você pode num acreditá, mas mãe de terra fazia chorador toda noite desde que você saiu de casa com o perna de calça.”

Ganhou um passe (que chamava de capa de chuva espiritual) do preto velho e foi embora duas horas depois, sem petiscar as torradinhas de damasco e queijo brie encomendadas para a cerimônia. Lá fora chovia, ou lá dentro, já não sabia mais. Chegou em casa duas horas depois, com o rosto todo encharcado.

Quiçá Sessão da Tarde

janeiro 24, 2012

While his guitar gently weeps

outubro 11, 2011

You say you want a revolution, well, you know.

Dando meu melhor

outubro 3, 2011

Via Fuck You Very Much

Velha sabedoria

setembro 24, 2011

Via FFFFound

I’m cheaper

setembro 16, 2011

Um retrato da jornalista quando jovem

julho 27, 2011

Vi no 4Chan.

And grow up

abril 4, 2011

McDia Feliz

março 15, 2011

Vejo no New York Times que, em Hong Kong, já é possível casar no McDonald’s.

Imagino se você, noiva, improvisa um buquê com três casquinhas. Vislumbro você, noivo, fazendo juras de amor com uma aliança de batatinha. E Ronald McRonald vos declara marido e mulher.

You may french-frie-kiss the bride!

Essa história toda me fez lembrar de quando eu tinha 9, 10 anos e meti na cabeça que me casaria numa lanchonete de beira de estrada.

Daquelas bem fuleiras mesmo: café (frio) com leite (gelado) no balcão, o pão com manteiga feito numa chapa limpa na base do esfregão. 

Tudo administrado pelo gerente Jorge, um tipo suado que usa a mesma mão para servir cachorro-quente e coçar o saco (esperemos que nessa ordem).

Anos mais tarde, é verdade, meu bom senso foi parar numa kitschnette moral. Lugar onde casamento que se preze tem noiva chegando num unicórnio fake, com crianças dançando aos berros de “paz mundial”, “My Heart Will Go On” sung by Walder Wildner.

Mas, para a Anna dos anos 90, já metida a ser metida, um casório convencional não era cool o bastante.

Já hoje em dia, o casamento dos meus sonhos é um que me faça chegar a tempo de ver a reprise de “House”, ou pelo menos um filme do David Neves no Canal Brasil.

Por que F5?

março 5, 2011

Hoje vamos falar de gente que é mais legal no Twitter do que na vida real.

Essas pessoas emitem opinião sobre tudo? Sim, elas fazem isso.

Serei eu uma delas? Pode ser. A gosto do freguês.

Quero saber o que você pensa do exclusivíssimo descascador de batata que, por apenas R$ 9,99 a mais, reproduz “batatinha quando nasce” na voz do Billy Idol? Não, obrigada.

Também não faço questão de conhecer seus sentimentos sobre paz na Palestina, a barba do Bell Marques ou sexo com cabritos, ou sexo com a barba em forma de cabrito do Bell Marques na Palestina.

Se cruzo com semiconhecidos na rua, o mais provável é que saque o celular para atender Bóris, meu amigo imaginário, uma lagosta gigante que coleciona cupons de desconto descolados na revista pornográfica “Playgrill”.

Bóris tem lá seus defeitos (não existir, gosto por sapatos bicolores), mas certamente terá mais a oferecer do que uma conversa que começa com “te sigo no Twitter”.

A moral da história você já sacou: vivemos em tempos irritantes. Tempos em que todo mundo apita sobre tudo em jornada integral. Idiossincrasias que você espreme até não poder mais, como se faria a tubo de pasta de dente chegando ao fim.

Acredito que, lá no fundo, todos sabemos que esfria rápido essa feijoada de caracteres, memes e polegares pra cima. Um prato que não foi feito para se comer pelas beiradas, mas para cair em cima como carnívoros famintos pelo novo hype, até deixar só o osso no prato.

E confesso: mais preguiça ainda tenho da aristocracia cibernética com horror de dividir seus brioches com a massa de arrobas.

A vida real (seja lá o que se entenda por isso hoje em dia) talvez fosse mais emocionante se, ao ouvir algo bacana, a pessoa surgisse do nada com o polegar levantado e o olhar maníaco.

Ou fizesse um comentário vago sobre o tempo e, para respostas que extrapolassem 140 caracteres, gritasse um “corta!” ensandecido, batendo uma claquete de mentira.

Enquanto isso não acontece, fica uma questão no ar: por que F5?